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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A democracia em Angola


Por estes dias, inadvertidamente confesso, tenho pensado como, quando, e de que modo será possível democratizar Angola?

Coloquei-me essa questão a alguns anos quando, acabado de entrar na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em Portugal, os colegas mais adiantados no curso praxando-me e sabendo que eu tinha acabado de chegar de Angola, decidem colocar-me essa mesma questão. Questão para a qual não tive resposta preparada como era meu apanágio, pedi-lhes com os modos de caloiro envergonhado que me cedessem algum tempo para elaborar uma resposta que não ferisse mais tarde a minha inteligência e a minha capacidade de raciocínio. Concederam-me esse tempo e elaborei então a minha resposta que em nada se diferencia da que nos últimos dias me aflorou ser a mais racional e condizente com a realidade deste grande país da língua portuguesa e foi assim:

- Angola é um país imenso em termos de território, rico em recursos naturais e humanos – chegando aqui, e na altura em que isto se passa, os colegas fizeram alguma troça quer pelos “recursos naturais” que diziam ser de muitos, menos dos angolanos, quer dos “recursos humanos” referindo-se a eles como os mais atrasados do mundo. Obviamente, tive que fazer uma pausa na dissertação e responder ao que me pareceu ser mais troça do que conhecimento, – Quando os portugueses saíram com o rabo entre as pernas de Angola deixaram em 500 anos de colonização, mulatas, mulatos, muita infra-estrutura e milhões de analfabetos, só os acordos com empresas estrangeiras permitiu ao país continuar a explorar os recursos naturais, mas acreditem que em uma ou duas gerações e havendo querer e vontade esses mesmos recursos serão integralmente dos angolanos. Em relação aos recursos humanos só vos posso dizer genericamente que não conheço outro povo com tanta alegria de viver como o angolano, mesmo no sofrimento mesmo na miséria o angolano vive de braço dado com o seu sorriso e um dia de cada vez, o resto é uma questão de disponibilizar escola e apelar à dedicação e entrega de cada um à cultura do trabalho e da entreajuda. Mas o mais importante é não apagar do mapa a forma de vida despreocupada, simples e alegre porque mais cedo ou mais tarde ela vai ser o exemplo que muitos ocidentais precisam e também já alguns africanos para deixarem de ter os ataques de stress que lhes provoca caspa e muita urticária, pois existe o enorme receio de fracassarem nos seus percursos exponencialmente ambiciosos, sempre à procura de fortuna e da vã glória (nesta altura eu era estudante, fazia-me muita comichão cerebral as pessoas deixarem-se conquistar completamente pelo dinheiro, os meus objectivos eram meramente humanos e por isso entrei naquela faculdade).

Uns sorriram, outros riram mesmo, mas todos ficaram à espera que eu continuasse.

Depois da pausa continuei; no pequeno anfiteatro da sala dos estudantes estava eu de pé, à frente alguns doutores sentados rodeando uma grande mesa, onde conversavam piamente e sorriam de vez em quando uns para os outros, logo por trás de mim os restantes caloiros sentados, misturados com alunos de outros anos nas cadeiras que se disponham em meia dúzia de filas. Como vos ia dizendo, - Angola teve em termos de história nacional escrita conhecida, três períodos – Aquele antes da chegada dos portugueses. – Durante a estadia dos portugueses. – E depois da saída dos portugueses.

Quer se queira quer não, a história de Angola até agora, 1990, está irremediavelmente, para o bem e para o mal, ligada à dos portugueses e inclusive da própria história de Portugal como nação, primeiro sozinhos, depois ibéricos, novamente sozinhos e agora Ibero-europeus.

Antes da chegada dos portugueses à foz do rio Zaire eram os reinos em terras Bantu que estabeleciam as leis, as regras, e faziam a política, daquilo que hoje entendemos como política, não havia democracia, quem mandava, eram os reis e rainhas, o povo nessa altura nem sequer sabia ser povo ou o que era povo. Enquanto os portugueses estiveram em Angola, com ou sem monarquia em Portugal, a história foi exactamente a mesma, mandavam, desmandavam e estava sempre tudo bem, o povo continuava a não saber quem era. Antes da debandada dos colonos em 1975, alguns grupos heróicos de sonhadores angolanos, já sabendo o que significava ser-se povo, julgaram ser possível mudar a história, e com grande tenacidade e muita flexibilidade intelectual conseguiram tornar Angola um país independente. Obviamente não foi possível estabelecer uma democracia sólida ou até embrionária nesse período pós independência, eram vorazes as vontades exteriores, determinadas as vozes discordantes que dentro da nação púbere tentavam com alianças ou sem elas impor também os seus próprios desígnios. Um partido se salientou entre os maiores da jovem nação, um partido com poucas fraquezas racistas ou então só salientáveis quando algum lugar de maior poder vagava, que lia pela mesma cartilha no princípio e que soube interpretar esses mesmos escritos quando chegou a altura de os amenizar, esse partido que felizmente chegou aos nossos dias mantendo o poder é a meu ver o único capaz de conseguir, ou pelo menos tentar, estabelecer uma sociedade verdadeiramente democrática em Angola.

- O caloiro está-se a referir ao MPLA? Pergunta-me um doutor na mesa em frente, já sabendo obviamente a resposta. - E então a UNITA? A meu ver tem tanto crédito quanto os ditadores do MPLA. Remata ainda o mesmo doutor.

Depende do que o Dr. quer dizer com crédito e com ditadores, porque não se esqueça que o presidente da UNITA tem mais anos como líder da UNITA do que o José Eduardo dos Santos tem como líder do MPLA. Em relação a crédito faz-me alguma espécie julgar-se possível que um grupo armado que pouco mais tem que gerir do que um espaço confinado à Jamba e obviamente toda a logística de um grupo que sobrevive de guerrilha, possa vir a gerir, senão melhor mas pelo menos de igual forma que o actual governo pertencente ao MPLA, um país que não é propriamente pequeno nem simples de gerir, com os enormes recursos e dificuldades sociais que tem.

Quer se queira ou não, foi o MPLA que se consolidou na governação do país e por aí tem formado quadros para gerir esse mesmo país, a função pública é maioritariamente, salvo talvez a hipocrisia humana de se estar de um lado mas a apoiar o outro, militante ou simpatizante desse mesmo partido que com muitos erros, muitos sapos engolidos, muitos cálculos mal feitos, tem sabido não deixar implodir um país carregado de diferenças sócio-económicas, raciais e étnicas, políticas, militares, interesses nacionais e internacionais.

Qualquer análise séria que se queira fazer a respeito da política em Angola deve levar sempre em consideração que se está a falar de um país com perto de 70% de analfabetos com mais de metade da população a viver da parca agricultura sem o mínimo de preparação para fazer o que quer que seja senão o uso da força física. Um país com este nível de subdesenvolvimento não se pode dar ao luxo de dispensar ou pensar que é fácil de substituir toda a riqueza intelectual e de governação que o partido do governo adquiriu nestes 15 anos de independência.

A UNITA, assim como a FNLA e todos os demais partidos que se possam formar em tempo de paz, se souberem canalizar as suas energias em termos de criação de confiança nas populações e principalmente na função pública e vida empresarial, então aí sim o país estará a dar passos para a democratização das instituições e em última análise da própria forma de governo que a meu ver só poderá ser eleito nas ruas, através do voto, quando esse trabalho de confiança estiver a ser feito por todos os intervenientes nacionais e claro pelos democratas internacionais. Até lá só me ocorre uma forma lógica, racional, moderada, e credível de governo em Angola que é o que já existe.

Até chegarmos lá, só posso ansiar pela paz de espírito de todos os intervenientes de proa da política angolana, desejar que as crianças possam crescer livres da guerra e com lugar nas escolas, onde havendo boa vontade aprenderão a respeitar o próximo como se o amor por elas mesmas dependesse do amor que concedem ao outro, escola de respeito e responsabilidade que é útil a todos os que queiram intervir ou intervêm em Angola.

Passados que estão 20 anos desta explanação simples sem grande preparação política da minha parte, simplesmente fiz uso do que pensava e sentia realmente, julgo ser-me fácil ainda hoje intervir exactamente com as mesmas palavras e raciocínio. Talvez acrescentasse estar a haver algum atraso naquilo que eram as minhas perspectivas na evolução da situação politica de Angola na altura, sem esquecer sem dúvida que também a guerra tornou a eclodir por mais dez anos o que explica em parte este atraso, mas verdadeiramente só me ocorre acrescentar aqui a importância que a nova geração de políticos pode vir a desempenhar neste país, agora que infelizmente começa a desaparecer a geração dos heróis do 4 de Fevereiro, e que por sua vez também as grandes personalidades do 11 de Novembro caminham para a reforma, emerge a geração pós independência alimentada a bem ou a mal durante os 27 anos de guerra civil, é esta geração que aos poucos tem tomado nas suas mãos o destino de milhões de angolanos, a esta geração, que não vou analisar agora, só lhes desejo nas suas intervenções e acções o mesmo que pedi à 20 anos atrás: paz de espírito, respeito e responsabilidade.

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